Nesta terça-feira, 17 de setembro, completam-se 53 anos da morte de José Campos Barreto, o Zequinha, e do capitão Carlos Lamarca, ambos combatentes da ditadura militar no Brasil. Os dois foram mortos pelo Exército Brasileiro em 1971, durante a repressão aos movimentos que lutavam contra o regime autoritário imposto em 1964.
Zequinha, natural de Brotas de Macaúbas, foi um dos principais parceiros de Lamarca na resistência armada. Juntos, eles integraram a luta pela liberdade e pelo fim da ditadura, adotando o lema revolucionário: "Ousar lutar, ousar, vencer!" Suas mortes marcaram um momento crucial na história da resistência, sendo lembradas até hoje como símbolo de coragem e determinação pela democracia.
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O dia 17 de setembro marca a passagem das mortes de dois brasileiros revolucionários, que lutaram até a morte por seus ideais socialistas e contra a ditadura civil- militar que assolou o Brasil por mais de 20 anos, entre 1964 e 1985.
No ano de 1971, um grupo do Exército, comandado pelo então major Nilton Cerqueira, e o delegado do Esquadrão da Morte paulista, Sérgio Paranhos Fleury, comandaram a chamada “Operação Pajuçara”, altamente secreta, que tinha por objetivo eliminar o capitão Carlos Lamarca e os últimos remanescentes de seu grupo guerrilheiro, do qual faziam parte Luiz Antônio Santa Bárbara, José Campos Barreto, Iara Iavelberg, entre outros. Na pequena cidade de Brotas de Macaúbas, juntaram-se ao grupo os irmãos de Zequinha, Otoniel e Olderico Campos Barreto.
A bela estátua em homenagem a Zequinha, carregando o capitão Lamarca em seus últimos dias.
Iara Iavelberg já havia sido morta em um cerco na cidade de Salvador, em 20 de agosto, quando uma semana depois, no dia 28, o cerco foi feito à casa dos Barreto, em Buriti Cristalino, vilarejo de Brotas de Macaúbas. Depois de breves tiroteios, estavam mortos Luiz Santa Bárbara e Otoniel Barreto, esse morto covardemente com um tiro nas costas.
O cerco a Lamarca e Zequinha foi mais complicado. Eles ouviram os tiros, a cerca de um quilometro e meio de distância, e se evadiram pelo sertão, com o Exército e Fleury nos seus encalços. A saga dos dois seguiu por quase 20 dias, e ambos ficavam cada vez mais enfraquecidos, castigados pelas condições do Sertão, sem alimentação ou água limpa para beber. O capitão Lamarca ficou tão desidratado, que teve de ser carregado às costas por Zequinha Barreto em algumas ocasiões.
Em reportagem a certa revista, de 25/04/1979, citada por Orlando Miranda em seu belo livro “Obscuros Heróis de Capricórnio” (Global Editora, 1987), durante a fuga, “Lamarca e Zequinha percorreram perto de trezentos quilômetros em suas últimas semanas de vida (…) vagaram desorientados em sua fuga. Foram vistos assim no Engenho Pau D’Arco, a doze quilômetros de Buriti, onde Lamarca disse a um grupo de trabalhadores: ‘Meu nome é Lamarca. Meu inimigo é o governo. Estou precisando de ajuda’. Os camponeses o ajudaram e, depois, passaram a informação à polícia. Seis quilômetros adiante, em Três Reses, descansaram numa propriedade dos avós de Zequinha. Vários dias depois, pediram e não obtiveram ajuda de um médico de Ibotirama, a cem quilômetros de distância. Foram vistos ainda, perto de Brejinhos: mais tarde, em Canabrava e, três dias antes de sua morte, estiveram em Carnaúba, situada a vinte e cinco quilômetros do local de onde partiram. A essa altura, atacado pela asma e debilitado pelo esforço, Lamarca era carregado às costas por Zequinha (…). Por fim, os dois seriam localizados em Pintada, perto de Carnaúba.
No dia 17 de setembro de 1971, as equipes ‘Charles’ e ‘Cão’, do grupo do major Nilton Cerqueira conseguem encontrar e encurralar o capitão Carlos Lamarca e José Campos Barreto, o Zequinha, na localidade de Pintada.
O capitão, deitado sob a sombra de um pé de baraúna, árvore típica do sertão, usava uma pedra como travesseiro. Zequinha montava guarda, mas nada pôde fazer. O cerco contava com dezenas de praças do Exército, armados com pistolas, fuzis e metralhadoras. Ambos receberam várias rajadas de tiros, e morreram no local.
Em 1973, afrontando a ditadura, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), realizou a leitura de um relatório – anônimo à época por questões de segurança – enfatizando o desrespeito do governo militar à Declaração Universal dos Direitos Humanos, e cita as torturas e assassinatos praticados pela ditadura. Entre os casos de “combatentes sumariamente executados”, o documento cita os nomes de Carlos Lamarca e José Campos Barreto.
Zequinha Barreto faria 25 anos em 21 de outubro de 1971 (nasceu em 1946), sendo morto dias antes, ainda aos 24 anos completos, muito jovem para destino tão cruel, com toda uma vida de luta e resistência pela frente.
O capitão Lamarca, também muito jovem, faria aniversário no dia 23 de outubro (nascido em 1937), tendo 33 anos quando tombou pelas mãos do próprio Exército que serviu heroicamente, mas que abandonou ao ver as atrocidades praticadas contra os brasileiros, desde o Golpe de 1964.
As circunstâncias do cerco e morte de Carlos Lamarca e Zequinha Barreto permanecem obscuras. Em 1996, numa reportagem de um jornal, (08/07/1996), Emiliano José, autor do livro “Lamarca, o Capitão da Guerrilha”, disse ter certeza de que Lamarca e Zequinha foram vítimas de execução sumária. “O que dissemos no livro é que Lamarca era um homem marcado para morrer. A nossa base era o sentimento de ódio que a linha dura do regime militar cultivava em relação ao Lamarca”.
A reportagem fala com mais detalhes sobre as suspeitas de Emiliano José: “Segundo ele, os sete tiros descritos no laudo, sendo três pelas costas, comprovam que o grupo do major Nilton Cerqueira tinha a clara intenção de liquidar Lamarca e seu companheiro José Campos Barreto, o Zequinha. Na opinião do autor, a morte de Lamarca era a única forma, na visão dos militares da linha dura, de vingar a deserção do capitão em 1969 e o seu ingresso na luta armada”. E Emiliano conclui: “As mortes de Lamarca e Zequinha foram um duplo assassinato frio e deliberado. As fotos da autópsia de Lamarca confirmam o que já sabíamos pelos depoimentos das testemunhas”.
Os corpos de Zequinha e Lamarca, do local onde foram sumariamente executados, foram transferidos para Oliveira dos Brejinhos, e expostos como ‘troféus’ lembrando em muito a cena da morte do lendário comandante Ernesto Che Guevara, nas florestas da Bolívia, em 1967. A foto dos corpos, usada como propaganda da ditadura para aterrorizar seus opositores, tornou-se um símbolo da resistência de dois homens contra um Exército de ‘capitães do mato’, e da covardia de seus algozes, num efeito contrário ao desejado.
Em 17 de setembro de 2013, o bispo da Diocese de Barra, na Bahia, Dom Luiz Flávio Cappio, inaugurou o ‘Memorial dos Mártires’, idealizado por ele, em memória de Zequinha Barreto, Carlos Lamarca e seus companheiros que lutaram contra a ditadura e deram suas vidas por seus ideais. No local foi também colocada uma estátua que lembra os últimos momentos de Zequinha, carregando o capitão às costas, em sua fuga épica pelo sertão.
O monumento é cercado por uma praça, anfiteatro, cantina, playground e uma fonte luminosa, e está localizado no distrito de Ibipetum, comunidade de Pintada, município de Ipupiara, no sertão baiano, no local onde foram mortos em 17 de setembro de 1971.
Na época da inauguração, D. Cappio tinha planos de levar para o Memorial os restos mortais de todos os que lutaram ali e na região, em razão da resistência à ditadura, Lamarca, Zequinha e Otoniel Campos Barreto, e Luiz Antônio Santa Bárbara, além de outros líderes rurais de dos trabalhadores, mortos em conflitos fundiários na região.
José Campos Barreto nasceu em 21 de outubro de 1946, em Brotas de Macaúbas (BA), filho mais velho de uma família de 7 irmãos. Após completar 12 anos, por volta de 1959 foi enviado pelos pais a um Seminário em Garanhuns, Pernambuco, pois era desejo de seus pais que se tornasse padre. Após dois anos, foi transferido para Campina Grande, na Paraíba, e anualmente visitava os pais e irmãos nas férias. Após cerca de 5 anos no Seminário, decidiu abandonar a vida religiosa, e passou a trabalhar com mineração de cristais na região de Buriti Cristalino, junto a seu segundo irmão, Olderico.
Em 1964, já perto dos 18 anos, Zequinha decidiu mudar-se para São Paulo, fixando-se em Osasco, na casa de um tio. Naquele ano, alistou-se no Exército para o serviço militar obrigatório, e serviu no Quartel de Quitaúna, mesmo local onde o Capitão Carlos Lamarca era sediado. Chegou à patente de cabo, mas mesmo desejando a carreira militar, foi dispensado do Exército após o serviço obrigatório.
Em Osasco, Zequinha Barreto passou a militar nos movimentos operário e estudantil, entre 1965 e 1968, chegando a presidir o CEO – Círculo Estudantil Osasquense, e a participar ativamente da vida sindical. Trabalhou em várias indústrias de Osasco, entre as quais Lonaflex, Brown-Boveri, e finalmente na Braseixos.
Nas comemorações do 1º de Maio de 1968, Zequinha liderou um grupo de operários que foi à Praça da Sé e expulsou os sindicalistas pelegos e o governador biônico (nomeado pela ditadura) Abreu Sodré do palanque montado. Zequinha discursou, defendendo a luta armada contra o regime.
Em 16 de julho de 1968 Zequinha Barreto foi um dos líderes da grande Greve de Osasco, que culminou com a sua prisão e de dezenas de trabalhadores, além da intervenção no Sindicato dos Metalúrgicos, com presença na cidade do próprio Ministro do Trabalho, Jarbas Passarinho. Zequinha resistiu na fábrica da Cobrasma, ameaçando colocar fogo num tonel de gasolina, retardando a entrada do Exército no local, e colaborando para a fuga de centenas de companheiros. Mas foi preso e permaneceu por quase 100 dias na prisão, entre DOPS e até no Carandiru, sofrendo torturas e maus tratos. A ditadura já o considerava um ‘terrorista’, mas sem provas, Zequinha foi solto no dia 25 de outubro de 1968. Pouco depois sua prisão foi novamente decretada, mas ele já havia entrado para a clandestinidade.
Já na resistência à ditadura, Zequinha integrou a VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), na região metropolitana de São Paulo. Posteriormente, teria integrado a VAR-Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária) no Rio de Janeiro, e o MR-8, sua última organização, já ao lado do lendário capitão Carlos Lamarca. Fugiu com Lamarca e um grupo guerrilheiro para o sertão da Bahia, na sua terra natal, onde foi morto pela repressão em 17 de setembro de 1971, aos 24 anos de idade. Foi enterrado no Cemitério do Campo Santo, em Salvador, no dia 23 de setembro, mas seus restos mortais foram retirados do local, e o corpo de Zequinha dado como desaparecido desde então.
Lamarca
Quem foi Carlos Lamarca
Carlos Lamarca nasceu em 23 de outubro de 1937 na cidade do Rio de Janeiro. Filho de família humilde, com 7 irmãos, viveu uma vida simples no Morro de São Carlos, bairro do Estácio, no subúrbio do Rio de Janeiro. Em 1955 ingressa na Escola Preparatória de Cadetes, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, transferindo-se em 1957 para Academia Militar de Agulhas Negras, em Resende-RJ.
Em 1960 Lamarca forma-se Aspirante a Oficial na AMAN, estabelecendo-se no 4º Regimento de Infantaria de Quitaúna, em Osasco, onde se destaca como um dos melhores atiradores do país.
Em 1962 foi convocado para as Forças de Paz na ONU, servindo no Canal do Suez, onde havia um conflito entre Israel, Palestina, Egito e outros países árabes. Volta ao Brasil em 1963, passando a servir em Porto Alegre (RS), vendo dali o golpe de 1964.
Em 1965 Lamarca volta ao forte de Quitaúna, em Osasco, onde permanece até iniciar uma vida dupla, integrando secretamente as fileiras de revolucionários contra a ditadura. Em 1967 chega à patente de capitão, e passa a planejar a deserção, juntamente com seu colega de farda, o sargento Darcy Rodrigues, que recrutava na tropa adeptos da resistência à ditadura. Em setembro de 1968 encontra-se com Carlos Marighela, da ALN (Aliança Libertadora Nacional).
No planejamento da fuga, Lamarca e seus companheiros, já integrando a VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) planejaram pintar um caminhão com as cores do Exército e roubar o maior número possível de armas, explosivos e munições do forte de Quitaúna, para serem usados na guerrilha. Mas, no dia 23 de janeiro de 1969 a farsa foi descoberta, quando o caminhão foi apreendido em Itapecerica da Serra, e três ou quatro integrantes do grupo de Lamarca foram presos e torturados. O que mais sofreu e apanhou foi Pedro Lobo de Oliveira, ex-sargento da Força Pública. Na iminência de serem descobertos, Lamarca, Darcy, além do cabo José Mariani e o soldado Roberto Zanirato pintaram rapidamente uma VW Kombi com as cores do Exército e já no dia seguinte, 24 de janeiro, levaram do regimento de Infantaria de Osasco 63 fuzis FAL, três metralhadoras e munições.
Dali Lamarca entrou para a guerrilha como dirigente da VPR, atuou no Vale do Ribeira, passa a assaltar bancos para financiar a resistência à ditadura, participa da captura de autoridades para a troca por prisioneiros políticos, como o sequestro do embaixador suíço, Giovanni Bucher, em 7 de dezembro de 1970.
Em março de 1971, já na companhia de Zequinha Barreto, Lamarca passa a integrar o MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro), permanecendo algum tempo no Rio de Janeiro e Salvador, tendo também a companhia de Iara Iavelberg. A família de Lamarca – mulher e filhos – já haviam sido levados para Cuba quando ele desertou do Exército.
O capitão Lamarca, juntamente com Zequinha e alguns companheiros tentaram iniciar um projeto de guerrilha rural no sertão baiano, quando acabaram mortos em 17 de setembro de 1971, nas proximidades de Brotas de Macaúbas, terra natal de Zequinha.
Fotos reprodução
Da Redação, 17/09/2024
Fotos reprodução
Da Redação, 17/09/2024
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